Como podemos definir originalidade?

 


Esses dias vi um questionamento online sobre originalidade, que hoje em dia as pessoas não sabiam mais contar uma história original, que tudo já parecia ser feito. Então, pensei sobre esse conceito, na verdade, eu já havia dedicado um tempo meu pensando sobre isso e chegado a uma conclusão que me satisfez pessoalmente. Afinal, quando refletimos sobre um assunto, essa reflexão termina quando chegamos a uma conclusão que nos parece certa. Então, esse texto não tem o intuito de entregar uma resposta, mas sim de pensar a cerca do conceito de originalidade. Dito isso, não vou falar apenas de arquétipos que vivem nas histórias, também quero passar pelo conceito de refilmagem (ou o remake), adaptação e o termo que ganhou a boca do povo nos últimos anos, o reboot.

 

Vamos começar pensando sobre a originalidade. Será que hoje em dia não tem mais como ser original?  Todas as histórias já foram contadas e não temos mais para onde ir, não existe outro caminho para seguir, será que o mundo estagnou de uma maneira que não há nada de novo para usarmos em uma história fictícia, novos temas, novas abordagens, novas construções? Bom, primeiro precisamos compreender que todas as histórias já foram contadas e isso não foi hoje, não foi ontem, não foi na década passada. Todas as histórias já foram contadas desde a época de Shakespeare. Tanto que uma de suas histórias mais famosas, sobre um casal de jovens que se apaixonam e tem suas famílias como inimigos, já era uma versão nova de uma história mais antiga, um conto popular que já existia de tradições orais. Isso também aconteceu na Grécia, pois quando o personagem qual creditamos as obras “A Ilíada” e “A Odisseia”, não criou do zero essas tramas, as duas histórias já existiam de tradições orais e o que Homero, ele existindo ou não, fez foi fazer o registro escrito, nesse caso na forma poética, como uma canção. Isso também aconteceu com os tradicionais contos dos Irmãos Grimm, eles não criaram a história da Cinderela do zero, mas eles fizeram um registro de uma história que já existia oralmente. Então, podemos dizer que é da natureza das histórias humanas que elas sejam recontadas e que durante esse processo a história em si sofra algumas mudanças.

 

Quando Alexandre Dumas escreveu e publicou em formato de folhetim o clássico “O Conde de Monte Cristo”, já havia inúmeras histórias de vingança, inclusive obras de Shakespeare sobre essa mesma temática. Entretanto, o que foi que Alexandre Dumas fez de tão diferente que tornou sua história original? O que nessa trama existe para que ela ganhasse esse status e começasse a ser recontada posteriormente em diferentes formatos? Alexandre Dumas usou a sua época ao seu favor, quando o folhetim foi publicado no jornal, ele era considerado uma história de época porque se passava no passado da França, mas utilizava o momento político atual para que as ações fossem construídas. O fator originalidade desse folhetim não se deu ao seu tempo, O Conde de Monte Cristo não foi a primeira história de vingança do mundo, já tivemos isso na bíblia, nas tragédias gregas, em Hamlet, mas o seu fator “originalidade” foi como essa história foi contada.

 

Quando falamos de tragédias gregas, entramos em outro campo. Os teatros gregos não eram um espaço utilizado durante uma determinada época do ano, durante as festividades em nome da divindade Dionísio. Durante essas festividades, concursos eram organizados para escolher a melhor tragédia, o melhor poema etc. E as histórias contadas nesses concursos ou eram inspiradas em personagens da época ou, então, se recontava várias vezes a mesma história. Sófocles não criou “Édipo Rei”, a história já existia, Euripedes não criou a história de Medeia, já existia, ele também não criou a história das bacantes, já fazia parte do imaginário popular dos helenos e provavelmente outros autores da época, outros dramaturgos e poetas, escreveram sobre essas histórias. Eu não posso dizer qual seria o fator originalidade dessas histórias, é difícil afirmar isso, mas não porque eu não as li, mas porque não temos acesso as versões de outros escritores. Dito isso, fazendo uma análise mais profunda e estudando o contexto da época, o que acontecia politicamente em Atenas, onde essas histórias foram apresentadas, podemos ter uma noção que, por exemplo, Édipo Rei tem um contexto com a guerra do Peloponeso, que Medeia quer falar sobre o papel da mulher grega. Entretanto, não quero cravar de maneira errada que esses são os fatores originalidade dessas obras, pois elas só chegaram até nós nos dias de hoje porque foram elas que sobraram.

 

Podemos imaginar que desde sempre a humanidade recontou suas histórias, não começou com a invenção do cinema, não começou com o rádio, com a televisão ou com a internet, sempre foi assim. Quero falar bem rápido sobre as questões de refilmagens e seus braços. O que aconteceu atualmente é que o capitalismo entendeu que a nostalgia pode ser comercializada, então, a demanda por remakes aumentou. Isso se alinhou a necessidade que as grandes corporações têm em fazer sempre mais dinheiro, aqui saímos de um processo que seria natural, entramos em uma realidade onde o monetário interfere nisso. Eu particularmente não sou contra recontar uma história, eu cheguei à conclusão que isso faz parte do processo natural de uma ficção, de vez em quando é importante contextualizar novamente uma história e em alguns casos para fazer isso é importante que ela ganhe uma nova roupa.

 

Com isso tudo dito, vamos pensar na questão da originalidade. O que é ser original hoje em dia? É um processo difícil porque parece que tudo já foi contado e realmente já foi, vimos que desde a Grécia Antiga histórias são recontadas. Mas podemos ser originais hoje em dia? Acredito que sim, mas não quer dizer que para ser original você precise quebrar a roda e fazer ela girar de novo, muito pelo contrário. O que vai te dar o fator originalidade é como a sua história, sendo ela a mais feijão com arroz possível, conversa com o público atual, o que ela traz de novo em relação a sua época de produção? Para sermos originais não precisamos olhar a nossa volta e procurar uma nova narrativa, um novo arquétipo de personagem, uma nova história, podemos sim nos apoiar nos clássicos, nos apoiar no que já está presente no nosso imaginário porque se algo novo for criado no imaginário popular, ele será feito em conjunto e não apenas por uma pessoa. Então, reflita, o que é ser original?

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