Por que olhar para os lírios do campo?
Até que ponto nossas escolhas podem influenciar nossa
felicidade? Até onde podemos ir para ter uma vida mais confortável, sem nos
preocupar com as contas do início do mês? No romance de Erico Verissimo, *Olhai
os Lírios do Campo*, essa reflexão aparece em sua camada mais básica, mas, no
fundo, trata-se de uma história que vai muito além dessa pergunta. Não é à toa
que o título faz referência a uma passagem bíblica.
Antes de apresentar minha opinião e reflexão sobre o
romance, preciso dizer que a leitura desse livro foi uma grande surpresa para
mim. Não é novidade para ninguém que me acompanha que minha experiência com a
leitura está em constante evolução. Há tempos eu queria ler uma obra de Erico
Verissimo. Desde que entrei no curso de Letras, sentia-me um pouco diminuído
por nunca ter cogitado a leitura de um romance do autor antes. E não apenas
porque ingressei no curso, mas também porque ele é gaúcho, assim como eu.
Acredito que exista uma máxima parecida com Jorge Amado: se todo baiano precisa
ler e conhecer Jorge Amado, todo gaúcho precisa ler e conhecer Erico Verissimo.
Como mencionei, a leitura dessa obra foi uma grande surpresa, porque eu
esperava uma história extremamente complexa, difícil de ler e de entender, mas
não foi isso que aconteceu. A leitura foi superfluida; li nos meus momentos de
folga no trabalho e nos estudos. Não foi pesada, e foi envolvente e prazerosa
até o último capítulo.
Para quem não conhece a história do romance, *Olhai os
Lírios do Campo* tem como protagonista Eugênio Fontes, um rapaz criado na
pobreza que, graças ao esforço de seus pais, conseguiu entrar em um colégio
inglês e, mais tarde, tornar-se médico. Curiosamente, escolhi esse livro para
ler justamente neste momento, porque percebi um paralelo entre a história de
Eugênio e a atual telenovela das nove da Rede Globo. Claro que o protagonista
do livro não vendeu a casa dos pais nem passou por determinadas situações da
novela, mas ele tem vergonha da mãe, do pai, do irmão, da família humilde e da
pobreza de onde veio. Eugênio quer crescer na vida, ter conforto e não precisar
mais se preocupar com o frio ou com a falta de comida. Esse desejo se manifesta
em vários momentos do livro, desde quando Eugênio finge não conhecer o pai—e
carrega essa culpa por um tempo—até a mudança em sua vida ao conhecer uma
determinada mulher. Mas estou me adiantando, porque antes de conhecer essa
segunda mulher, Eugênio conhece, ainda na faculdade de Medicina, a jovem
Olívia.
Olívia é completamente diferente de Eugênio. Ela
também é pobre, mas enxerga a vida sob uma ótica mais esperançosa. Nutre grande
carinho por Eugênio, e a relação entre os dois é trabalhada com muito cuidado,
de maneira até moderna para alguns. Eles acabam se envolvendo, mas nunca
formalizam um relacionamento, pois há algo entre eles—algo que acredito ser um
muro criado pelo próprio Eugênio.
Devido às dificuldades enfrentadas durante a infância
e juventude, Eugênio deseja uma vida mais confortável e próspera, mas também
acaba acreditando que, por sua origem humilde, não merece certas coisas. Por
muito tempo, pensa que não merece o amor que Olívia lhe oferece, pois, mais uma
vez, os dois são muito diferentes. Em certo momento do romance, eles se separam
quando Olívia decide ir para Nova Itália, no interior do Rio Grande do Sul,
ajudar um amigo médico em sua nova clínica. Nesse período, surge na vida do
protagonista a personagem Eunice, por quem Eugênio se encanta devido ao luxo e
conforto que ela possui. À primeira vista, os dois se estranham, mas logo
começam a se relacionar, e Eugênio chega a acreditar que realmente está
apaixonado por ela. Eles se casam, mas, pouco depois, ele percebe que sua
decisão foi motivada pelo status, e não pelos sentimentos.
O livro é dividido em duas partes. A primeira foca no
passado de Eugênio e no momento mais atual em que a história se passa. A
narrativa me surpreendeu, pois adota um recurso comum na literatura
contemporânea: alternar entre passado e presente para construir o protagonista.
Buscando referências sobre o livro, vi um vídeo que descrevia essa primeira
parte como um romance psicológico, pois se preocupa em expor a complexidade do
protagonista, e realmente isso acontece. Nesse trecho da obra, acompanhamos os
fatores que levaram Eugênio a fazer certas escolhas, além da dualidade entre
ele e Olívia.
Na segunda parte, a narrativa torna-se mais calma e
menos frenética, e passamos a acompanhar a mudança de pensamento de Eugênio,
influenciada por Olívia. Agora, um momento de spoiler—que, na verdade, nem é
spoiler—já que, desde o primeiro capítulo, sabemos que Olívia falece e que os
dois tiveram uma filha, Anamaria. Quando Eugênio percebe que sua vida não é
feliz, que seu casamento foi motivado pelo dinheiro e não por um desejo genuíno
de felicidade, ele se reaproxima de Olívia, e os dois passam a se encontrar com
frequência. É nesse contexto que ele descobre que teve uma filha com ela. Após
perder Olívia—seu grande amor—Eugênio começa a enxergar a vida de outra forma,
repensa seus valores e busca se redimir de seus inúmeros erros.
Na minha reflexão pessoal sobre esta obra, há muitas
mensagens que podem ser absorvidas pelo leitor. Tudo depende do momento de vida
dessa pessoa e do contexto em que o mundo está inserido. Para mim, *Olhai os
Lírios do Campo* reforça a ideia de confiar em nós mesmos, no nosso trabalho e
no futuro. Considerando seu contexto histórico—o surgimento do nazismo e do
fascismo—o livro propõe uma alternativa a pensamentos extremistas por meio da
tolerância e da educação. Mas, além disso, ele também aborda como a preocupação
excessiva com o futuro pode criar um véu sobre nossos olhos.
Claro que a mensagem final depende muito da forma como
cada leitor interpreta a obra. Para mim, fica essa reflexão.
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